No dia 17 de junho o celular tocou de madrugada, a voz aflita do meu cunhado dizia que os meninos iriam nascer dois meses antes do previsto.
Naquele momento chorei em silêncio e pedi a proteção divina para minha irmã e seus filhinhos.
Luiza chegou a Montes Claros, sentindo fortes contrações. A médica confirmou o início do trabalho de parto. Diante da situação de risco ligou primeiro para a Santa Casa, mas foi informada que não havia leitos disponíveis no CTI neonatal, a mesma resposta foi dada pelo HU. Mesmo com a negativa de ambos os hospitais nossa médica, Dra. Juciméia, nos orientou a ir ao HU.
Quando chegamos ao Hospital Luiza recebeu a qualificação laranja, ou seja, o caso era urgente, precisava de atendimento imediato.
Na maternidade fomos atendidos pelo Dr. Anderson, natural de Itacarambí. Ele confirmou a falta de leitos no CTI neonatal e disse que a equipe faria o possível para cuidar dos bebês, mas que sem o CTI não havia garantias quanto à recuperação dos meninos.
Naquele momento senti como se tivesse sido atropelada por um caminhão, uma sensação de impotência me invadiu, estava ali vivendo o drama do descaso que acomete o Brasil e especialmente a região Norte Mineira.
O médico procedeu à internação da minha irmã, mas ele também não se conformava que os meninos tivessem que nascer daquele jeito.
Então num momento de luz ele se lembrou do CTI neonatal de Janaúba e como Luiza já estava no “sistema” se houvesse os leitos lá a prioridade era dela.
Na mesma hora liguei para André Rocha, amigo e secretário de saúde de Januária, pedindo que ele nos ajudasse. Enquanto isso o Dr. Anderson ligava para Janaúba e confirmava com o Dr. Luis a existência dos leitos para atender os meninos.
Em poucos minutos tivemos que tomar a decisão de deslocar uma grávida de gêmeos, em franco trabalho de parto, para Janaúba, a 120 km de Montes Claros.
Tomada a decisão de ir para Janaúba partimos para a procura de uma ambulância, a médica responsável pela obstetrícia do HU, Dra. Edimiuza, se desdobrou ao telefone tentando encontrar um carro disponível, mas a dificuldade era grande. Luiza já estava com quatro centímetros de dilatação e a espera tornava tudo mais complicado.
Então, mais uma vez, o celular tocou, do outro lado, era o amigo André que havia disponibilizado uma ambulância para levar minha irmã até Janaúba.
Acompanhada pelo Dr. Anderson, uma enfermeira (infelizmente não sei o nome) e meu cunhado, Luiza saiu de Montes Claros por volta do meio dia. A presteza do motorista foi fundamental, pois por pouco Heitor nasceria na ambulância.
Em Janaúba o parto foi feito pelo Dr. Luis (colega de Faculdade do meu querido pediatra Dr. Eustáquio Azevedo) e o pediatra Dr. Hebert cuidou dos meninos. Como previsto pelo Dr. Anderson tanto Heitor quanto Miguel precisaram dos cuidados que só poderiam ser dados em uma UTI neonatal, ambos foram para o respirador pois o pulmão não estava maduro.
Ir para Janaúba foi à melhor decisão e agradeço todos os dias pelo CTI que existe naquela cidade. Mas ao mesmo tempo me sinto indignada porque o descaso com a saúde pública quase tirou a chance de sobrevivência de Heitor e Miguel.
Depois desse episódio me pego pensando em quantas pessoas não tiveram a mesma sorte que a nossa família. Fico pensando em quantas crianças ainda vão morrer, em quantos pais, mães, tias, avós que não terão a chance de ver seus filhos, sobrinhos e netos crescerem. Isso não está certo.
Não quero criticar este ou aquele político, sei que a questão é maior, não é possível apontar um único culpado porque são anos de descaso, anos de farra com o dinheiro público, anos de corrupção, mas naquele dia percebi que a mazela da saúde se dá em cadeia, minha irmã saiu de Januária e foi parar em Janaúba porque o “sistema” não funciona.
Até o dia 17 de junho nunca havia sentido tão de perto o sofrimento de quem depende da saúde pública, até aquele dia achava possível viver a vida sem pensar em como a política afeta tudo, foi preciso ficar diante de um cenário tão desolador para compreender a dimensão das coisas.
Como disse não cabe a mim apontar culpados, isso seria leviano, mas talvez seja preciso refletir sobre as nossas escolhas e como elas podem afetar a vida de muita gente. Pode parecer uma simples decisão, mas as conseqüências virão e atingirão a todos, sem exceção.
Passado o sufoco quero agradecer a Nossa Senhora Aparecida que ouviu todas as minhas preces e colocou no caminho da minha irmã e dos meus sobrinhos verdadeiros Anjos da Guarda, em especial agradeço a equipe do Hospital FundaJan de Janaúba pelo carinho dedicado aos meninos.
Eles seguem na UTI, mas agora já respiram sozinhos. Miguel, por ser o maior, já está mamando no peito e na quarta-feira tomou o primeiro banho de verdade. Heitor, o menor, ainda se alimenta através de uma sonda e toma banho de “gato” como diz minha irmã. Eles estão bem, se recuperando e isso traz muita alegria.
No fim deu tudo certo, como disse o Dr. Anderson, mas o meu desejo é que ninguém precise passar pelo que passamos e que todas as crianças tenham direito de nascer em suas cidades.