quinta-feira, março 29, 2012

Sessão Cinema - Nós Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos


Primeiro longa-metragem de Marcelo Masagão, um dos fundadores do cinema do minuto e figura conhecida da cena do cinema experimental brasileiro.
Nós Que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos aborda o século XX e é construído através de recortes de imagens de arquivo, é um filme mudo, preto e branco, sem nenhum tipo de diálogo, embalado por belas canções e breves frases.
Além das imagens de pessoas conhecidas que marcaram o século XX, o diretor traz personagens anônimos e cria novas histórias a partir da trajetória de pessoas comuns.
O filme teve um baixíssimo orçamento, dos 140 mil reais gastos, mais da metade foi usada para o pagamento de direitos autorais das imagens utilizadas, isso mostra que um bom filme não precisa gastar rios de dinheiro.
É um filme raro, com um tom poético onde qualquer adjetivo se torna pequeno diante da sua grandeza, dessas coisas apaixonantes e encantadoras que fazem a existência valer a pena.
E o melhor é que essa obra prima do cinema nacional será apresentada na próxima quarta-feira, dia 04 de abril, às 19 horas através do Projeto Cine Sesc.
Convido os amigos leitores para prestigiarem essa bela iniciativa e confirmarem sua presença através do meu email.
Aguardo vocês no Cine Sesc!!!

quinta-feira, março 01, 2012

Atrás dos Olhos Seus


A noite começara bonita, o céu cortado por um tom róseo que se expandia ao laranja. Roberto nem se preocupou em procurar por uma sombra, estacionou o carro na porta do hospital. A rua ia perdendo o movimento, com o cair da noite o ritmo ia ficando mais lento e achar uma vaga privilegiada não fora difícil.
Lá dentro Dona Rosa se recuperava da cirurgia de hérnia, era o tipo de mulher que já havia sido bonita. Ela se alegrou ao ver o filho chegar para visitá-la, sabia que não era fácil para ele sair de casa depois que o Mal de Parkinson se agravou. Conversaram sem pressa como quem degusta a primeira conversa, era como se estivessem se reencontrando.
Roberto olhou para o relógio e percebeu que já havia passado a hora de tomar a medicação que amenizava seus tremores. Lamentou não poder ficar com aquela nova mulher, antes de ir embora a abraçou com cuidado e beijou a sua testa.
Desceu por uma grande rampa se sentindo um novo homem, capaz de reconquistar tudo aquilo que havia perdido, inclusive Elisa... Principalmente Elisa...
Antes de entrar no carro pensou que iria tentar mais uma vez, só iria passar em casa para tomar o remédio porque os tremores já começavam a aparecer.
Sentou-se no banco, olhou ao seu redor e sem saber como e porque desapareceu...
Agora, no banco do carro, havia um corpo, os olhos abertos, as mãos sobre o colo e o início do fim.
O cérebro parou, depois o coração, mas os olhos não se deram conta do fim de Roberto, estavam abertos, ainda vivos e podiam ver a vida que passava do lado de fora do carro. Eles testemunharam a diminuição do ritmo da rua. Um casal apaixonado namorava na praça. Tentaram pensar em Elisa e seus cabelos loiros, mas algo os impedia, era a falta de um cérebro vivo. Naquele instante tudo que se tinha era o presente, o momento fugaz que a cada segundo se esvaia com a morte das células.
À medida que a noite adensava o corpo de Roberto ia se tornando cada vez mais rígido, o sangue depositado nas extremidades formavam hematomas e iam provocando a morte lenta dos tecidos, mas os olhos continuavam vivos sem saber que contemplavam o brilho da lua cheia pela última vez.
Logo chegou o dia e por causa do calor do sol e dos gases expelidos pelo cadáver os vidros ficaram embaçados e olhos testemunharam o correr da vida começar de novo. As pessoas passavam apressadas sem perceber que dentro do carro havia um homem morto com olhos ainda vivos.
O destino é mesmo irônico, Roberto estava a poucos metros de um hospital onde o intuito é salvar vidas, se ele pudesse pensaria no que teria acontecido se tivesse demorado mais alguns minutos com a mãe. Talvez pudesse ter sido salvo ou quem sabe seus olhos ávidos em viver pudessem ter sido usados num transplante.
De repente o telefone toca, para os olhos o som produzido pelo aparelho não significava nada, mas de alguma forma perceberam a luz que acendia no visor. Já não era possível ler, mas do outro lado estava Elisa com a intenção de acertar todos os detalhes do divórcio. Obviamente ficou furiosa com a falta de consideração de Roberto em não atender, pensou que isso, somado a tantas outras coisas, é que lhe davam a certeza de estar fazendo o certo. Mal sabia ela que Roberto não mais existia e que seu corpo apodrecia dentro de um carro.
O dia foi passando e os olhos impassíveis testemunhavam a solidão, alheios a morte iminente. Aos poucos as últimas células foram devorando umas as outras, na tentativa vã de sobreviver, até que chegaram aos olhos que a essa altura já estavam queimados pelo sol causticante. Eles sequer esboçaram reação já estavam cansados de tamanha indiferença, num último ato tentaram recordar do rosto de Elisa, mas quando a imagem estava quase se formando o que ainda restava vivo morreu de vez...