A
noite começara bonita, o céu cortado por um tom róseo que se expandia ao
laranja. Roberto nem se preocupou em procurar por uma sombra, estacionou o
carro na porta do hospital. A rua ia perdendo o movimento, com o cair da noite
o ritmo ia ficando mais lento e achar uma vaga privilegiada não fora difícil.
Lá
dentro Dona Rosa se recuperava da cirurgia de hérnia, era o tipo de mulher que
já havia sido bonita. Ela se alegrou ao ver o filho chegar para visitá-la,
sabia que não era fácil para ele sair de casa depois que o Mal de Parkinson se
agravou. Conversaram sem pressa como quem degusta a primeira conversa, era como
se estivessem se reencontrando.
Roberto
olhou para o relógio e percebeu que já havia passado a hora de tomar a medicação
que amenizava seus tremores. Lamentou não poder ficar com aquela nova mulher,
antes de ir embora a abraçou com cuidado e beijou a sua testa.
Desceu
por uma grande rampa se sentindo um novo homem, capaz de reconquistar tudo
aquilo que havia perdido, inclusive Elisa... Principalmente Elisa...
Antes
de entrar no carro pensou que iria tentar mais uma vez, só iria passar em casa
para tomar o remédio porque os tremores já começavam a aparecer.
Sentou-se
no banco, olhou ao seu redor e sem saber como e porque desapareceu...
Agora,
no banco do carro, havia um corpo, os olhos abertos, as mãos sobre o colo e o
início do fim.
O
cérebro parou, depois o coração, mas os olhos não se deram conta do fim de
Roberto, estavam abertos, ainda vivos e podiam ver a vida que passava do lado
de fora do carro. Eles testemunharam a diminuição do ritmo da rua. Um casal
apaixonado namorava na praça. Tentaram pensar em Elisa e seus cabelos loiros,
mas algo os impedia, era a falta de um cérebro vivo. Naquele instante tudo que
se tinha era o presente, o momento fugaz que a cada segundo se esvaia com a
morte das células.
À
medida que a noite adensava o corpo de Roberto ia se tornando cada vez mais
rígido, o sangue depositado nas extremidades formavam hematomas e iam
provocando a morte lenta dos tecidos, mas os olhos continuavam vivos sem saber
que contemplavam o brilho da lua cheia pela última vez.
Logo
chegou o dia e por causa do calor do sol e dos gases expelidos pelo cadáver os
vidros ficaram embaçados e olhos testemunharam o correr da vida começar de
novo. As pessoas passavam apressadas sem perceber que dentro do carro havia um
homem morto com olhos ainda vivos.
O
destino é mesmo irônico, Roberto estava a poucos metros de um hospital onde o
intuito é salvar vidas, se ele pudesse pensaria no que teria acontecido se
tivesse demorado mais alguns minutos com a mãe. Talvez pudesse ter sido salvo
ou quem sabe seus olhos ávidos em viver pudessem ter sido usados num
transplante.
De
repente o telefone toca, para os olhos o som produzido pelo aparelho não
significava nada, mas de alguma forma perceberam a luz que acendia no visor. Já
não era possível ler, mas do outro lado estava Elisa com a intenção de acertar
todos os detalhes do divórcio. Obviamente ficou furiosa com a falta de
consideração de Roberto em não atender, pensou que isso, somado a tantas outras
coisas, é que lhe davam a certeza de estar fazendo o certo. Mal sabia ela que
Roberto não mais existia e que seu corpo apodrecia dentro de um carro.
O
dia foi passando e os olhos impassíveis testemunhavam a solidão, alheios a
morte iminente. Aos poucos as últimas células foram devorando umas as outras,
na tentativa vã de sobreviver, até que chegaram aos olhos que a essa altura já
estavam queimados pelo sol causticante. Eles sequer esboçaram reação já estavam
cansados de tamanha indiferença, num último ato tentaram recordar do rosto de
Elisa, mas quando a imagem estava quase se formando o que ainda restava vivo
morreu de vez...
Nossa, Lê. Que história é essa? Aconteceu? Quantos detalhes. Sempre acho tua escrita diferente cada vez que venho aqui! rsrs Saudades.
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